Histórias de Moradores de Santana

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores do bairro.

História do Morador: Francisco Edson Blessa Costa
Local: São Paulo
Publicado em: 08/10/2015

 



Moro na mesma casa que nasci e fui criado

Sinopse:

Em seu depoimento Francisco Edson Blessa Costa conta que passou sua infância no bairro Santana, em São Paulo, quando esta ainda era uma pequena vila de imigrantes. Fala sobre a origem de sua família, a convivência com os pais e com as irmãs. Conta histórias sobre religião e política dentro de sua casa, sobre a sua juventude e sua trajetória profissional, na publicidade e propaganda, trabalhando em diversos locais e em diversos cargos. Francisco também descreve seus dois casamentos e a relação amorosa que tem com o seu filho.

História

Meu nome é Francisco Edson Blessa Costa, nasci em São Paulo em 7 de fevereiro de 1953. Minha mãe nasceu na Espanha. Ela veio pro Brasil com cinco anos de idade. Eles eram praticamente vizinhos, moravam no mesmo bairro, então foi dali que eles se conheceram, em Santana. Em 1920, veio ela, dois irmãos, um mais velho, um mais novo, um com sete, outra com três, a mãe dela, o pai dela, a avó dela, o avô dela e o tio dela, juntaram todos e vieram de navio conhecer esse país e fazer dele o que ele é hoje. Lá estava ruim, a Espanha, em 1920, estava muito ruim, em todos os sentidos, família pobre, não tinha como permanecer, conseguiram a imigração, o Brasil estava aceitando imigrante e eles vieram tentar a vida.

Eu tenho 62 anos hoje, moro na mesma casa que nasci e fui criado, eu lembro da reforma dela e eu moro no mesmo quarto, que foi reformado. Uma coisa incrível como a vida dá voltas, por isso que eu te falo assim, é privilégio da minha parte, porque nasci, a casa já existia, eles começaram comprando um terreno. Fez uma primeira casinha no fundo, ele colocou a família, foi nascendo filho, botou uma segunda casinha, alugou a outra, fez uma casa, um sobrado bom.

A gente sempre teve dois campinhos próximos de nós. Na época de balão tinha os balões que a gente fazia, fogueira, taco, carrinho de rolimã quando veio o asfalto, porque uma época não tinha, depois veio o asfalto, então ia no carrinho de rolimã. A criançada daquela época era uma loucura, era uma diversão total, era outra história e a gente não tinha virtual, não existia virtual, existia você sair e se divertir, não tinha outro jeito. E ali era uma região em que todos se conheciam, a minha avó teve dez filhos, então vocês imaginam, todos morando próximos. Trinta e cinco primos. Então funcionava assim, a gente inventava, criava passarinho, criava cavalo, eu criei pomba, macaco, tive tudo o que você pode imaginar.

Meus irmãos: a primeira é Maria Ramona, que é a Nena, ela já namorava o meu cunhado quando eu nasci, então namorou, namorou e casou e foi indo, foi tendo os filhos, eu já tenho sobrinhos com boa idade, sobrinhos-netos eu tenho 12 já, tenho 12 sobrinhos normais e 12 sobrinhos-netos. Então cada uma das minhas irmãs tem o seu perfil, elas têm personalidades completamente diferentes, completamente diferentes, mas essa, no caso, o que eu percebo, é a que mais se identificava com o meu pai, a minha mãe se identificava mais comigo. Ela sempre foi muito família, ela é que trabalhava na Caixa Econômica Federal na época, de Santana, aí ela conseguiu uma situação acho que no Matarazzo e aí foi quando ela levou o meu pai pra lá, a coisa, mais ou menos essa história, não sei se é isso ou é o inverso, é mais ou menos por aí. Aí o meu pai foi e ele se encaixou muito bem no Matarazzo, ele trabalhava diretamente com o Conde Matarazzo, é como se fosse um assessor, tudo o que precisava, na época se usava muito o secretário, então ajudava muito, o meu pai foi muito feliz naquela época, tudo por causa dessa Maria Ramona.

E aí ela levou a Nancy também, que é depois dela, depois foi a Alice, a Carmem, a mais nova, não chegou a trabalhar, foi levando e foram se adaptando e aí todos tiveram um grande esteio do Matarazzo. Aí elas foram casando e todas elas casaram e pararam de trabalhar, na época era muito isso, começava a cuidar só dos filhos, a mais nova é que, depois dos filhos crescidos, é que começou a trabalhar, trabalhou no Hospital do Mandaqui e tal, a Carmem, as outras não, as outras pararam e criaram os filhos, graças a Deus muito bem. Eu tenho vários sobrinhos formados por USP e tudo isso, então elas fizeram a parte delas, e o interessante é que dessas minhas quatro irmãs, os primeiros dois filhos delas sempre foram casais, só o terceiro é que definia o que seria, mas os primeiros, a primeira teve um casal, todas foram casais, é uma coisa que a gente não entendeu muito, mas é uma sequência legal.

Em 64 teve o golpe, eu nasci em 53, então eu tinha 11 anos, não entendia nada, praticamente nada, entendia que não podia fazer nada dali pra frente, eu, com 11 anos, fiquei esperando a banda passar, porque não tive aprendizado nenhum, o meu pai operário, minha mãe tinha parado de trabalhar. Então a política que a gente tinha era dos politiqueiros, que é igual a hoje, eles vêm fazer a história na sua casa na época da eleição, não muda nada. Próximo da eleição chegava a abrir comitê de partido, vamos dizer, Arena, na época tinha Arena e MDB, do lado de casa, aí era o deputado tal, fazia aquele, o povo trouxa, que não sabia de nada, não tinha informação, ia e votava, colocava o cara, colocava os Adhemar de Barros da vida no governo, que roubou aí à vontade, e vários outros.

O meu pai era ateu, completamente ateu, acho que inclusive porque a mãe dele era tão católica. ele me dava liberdade, e minha mãe era racionalista cristã, é espiritismo, mas com relação a Cristo, na barriga dela eu já ia pra lá, pra esse racionalismo cristão. Depois que eu tive 16, 17, 18 anos, eu fui ver o que era religião, aí fui budista, fui em umbanda, eu conheci tudo o que podia, acabei voltando pro racionalismo, na realidade Deus é uma coisa só, você pode interpretar ele, na minha opinião, de várias formas, de várias maneiras, mas é uma coisa só.

Com sete anos entrei no Grupo Escolar Frontino Guimarães, que é o próximo de casa, que existe até hoje, que todos os meus 20 amigos que moravam na região iam, então primário normal, a escola normal. Fui estudar no Colégio Salete, hoje não existe mais, que era um bom colégio na época, mas não quer dizer que tinha mais qualidade do que o Cedom, que era do estado, que era muito melhor. Eu não tinha a mínima noção de nada, porque era diferente de hoje, quando eu prestei vestibular, eu prestei primeiro pra Economia na Santana, pra Administração na FMU, eu prestei pra Engenharia em São José dos Campos e mais uma, Direito em algum lugar que eu não lembro. Então não tinha a mínima noção, fui dar tiro pra onde nem sabia o que era.

Eu fui à Blumenau e antes de terminar o segundo grau, que seria hoje, eu prestei dez matérias e passei nas dez, porque eu estudava muito, tinha facilidade, então entrei na faculdade de Economia com 17 anos, ia completar 18 em fevereiro, sou de 7 de fevereiro, em Santana, na Faculdade Santana, e fiz dois anos. Meu cunhado, nesse tempo, fechou a Madureza e abriu uma agência de propaganda, que ele trabalhava na Editora Abril, alguma coisa assim, com a Folha de São Paulo. Eu fui trabalhar com ele. Eu descobri que o meu negócio era propaganda, era o meu negócio mesmo, passei pra Faculdade Anhembi, que na época não era Anhembi Morumbi, só Anhembi.

O baile é igual hoje, as baladas de hoje, igual, então, quando surgiu a luz estroboscópica, que falava, os globos, que ficava, é igual, é a mesma bagunça, o baile começa um pouco antes, quando você começa a beber, que aí você já está integrando, no Bar do Luís já começava o baile, não tinha jeito. Aí você ficava bebendo: “Ah, hoje tem Espéria, tem não sei aonde, tem aniversário, não sei o que”, aí esses 20 pegavam quatro, cinco carros e iam pros locais e aí de lá se distribuía, voltava no dia seguinte. Quando dava madrugada, ir pra praia só pra ver o sol nascer, isso de monte que a gente fazia. Normalmente ia pro litoral sul aqui, Ilha Porchat. Pegava o carro e ia embora e a vantagem que você não tinha pedágio, a gasolina era barata, então você tinha que ter o dinheiro da continuidade da cerveja lá embaixo, ia pra Ilha Porchat e ficava vendo o sol nascer

Eu já pagava a faculdade, apesar de que meu pai sempre, quando precisei de qualquer coisa, estava sempre presente, mesmo simples e tudo isso, ele fazia questão de bancar o que precisasse, tudo, mas eu já bancava. Eu ganhava bem, aliás, eu não terminei a segunda faculdade por fator financeiro, eu fazia Anhembi-Morumbi, Propaganda e Publicidade, minhas notas eram oito, nove, dez, oito, nove, dez, sem estudar, sem nada, tanto que era tão tranquilo que a gente adorava, que a gente entrou no DA, Diretório Acadêmico Cinco de Maio. A gente revolucionou aquela história do diretório acadêmico da época, porque os trotes eram meio ainda pra desrecalcar, a história, ninguém era recalcado, mas eles diziam e aprontavam e tal, e a gente não, a gente começou a mudar esse trote naquela época.

Então o trote era um livro, você trazia um livro, isso a gente conseguiu, num certo ano, no segundo ano que eu acho que eu tava, 300 livros pra biblioteca da escola, quer dizer, é um benefício, e fora a diversão, a molecada se divertia, não existia história ruim pra ninguém. O DA, na minha opinião, diretório acadêmico, ele era o congraçamento entre os alunos e a diretoria, às vezes a diretoria pedia pra gente resolver algum problema que eles não estavam conseguindo resolver, pra conversar com os alunos, a gente fazia isso, e às vezes os alunos recorriam à gente pra resolver junto à diretoria.

Depois eu tive que sair da faculdade, no ano seguinte a gente trocava, o DA já era outra diretoria, nós fizemos durante um ano isso, e aí eu tive que parar a faculdade, trancar, porque eu estava ganhando muito dinheiro trabalhando em Guarulhos com propaganda, que era a minha praia. Então eu entendi assim: “Bom, melhor ganhar dinheiro”, porque propaganda eu descobri que era o meu negócio, e aí eu trabalhava numa equipe de contatos de publicidade da Folha Metropolitana, que é a proprietária do Metro News, era uma equipe maravilhosa.

Sempre onde eu estou me envolvendo as coisas são energias boas, eram 15 pessoas, mas eram sete perfeitos, nós não tínhamos gerente, porque não precisava, ali, aquela equipe era toda, toda ela dominava a área comercial. Então qual era a função de um contato de publicidade? Você ir buscar publicidade no mercado, empresas, comércio, e trazer pra dentro do jornal, o jornal na época chegava a sair com cem páginas, 170 páginas, standard, era uma loucura. Por quê? Porque era uma equipe que trabalhava organizada, se auto responsável, ela se chamava de auto responsável, não tinha gerente, não precisava de gerente, e a gente competia entre nós mesmos.

Eu trabalhava com o meu cunhado na EF Publicidade, era na Consolação, Conjunto Zarvos, ele montou uma agência bem sofisticada e atendia o Grupo Abril, Abril Tec, se não me engano, eu era garoto, novo, tinha 22 anos, 20 anos, eu acho que isso, fui com ele pra cuidar do escritório e tudo isso. Ele saía negociando e eu comecei a gostar e entender o processo e me descobri um contato. Nisso um anúncio me chamou pra Guarulhos no jornal, chamava Correio do Povo, que precisava de contato de publicidade, eu fui pra lá nesse jornal.

A Folha Metropolitana, que era grande, era concorrente grande, me chamou, eu fui pra lá e fui todo feliz. Eu comecei a formar uma carreira, eu trabalhei praticamente 20 anos nessa empresa aí, e cheguei a assessor da diretoria, e aí era desse jeito, e esse equipe então, com esse rol de amigos, que eram profissionais que trabalhavam juntos, a competição era nesse nível de auxílio, eu cresci muito, nossa, eu me desenvolvi bastante profissionalmente em Guarulhos, isso tudo em Guarulhos, e morava em Santana, nessa mesma casa, porque eu era solteiro ainda.

Namorava bastante, bastante, então, aí eu tinha uma namorada, acho que 18 anos, comecei a namorar firme, fiquei uns dois anos com ela, aí não deu certo, separei, aí fiquei até os 20 e, acho que casei com 27 anos. Eu sei que eu namorava seis meninas, era assim que funcionava. Eram três casadas e três solteiras, mas namorava, era desse jeito, e assim funcionava e ia indo assim. Até que uma delas, eu fui me apegando mais, me apegando mais, eu fui me separando das outras e eu acabei casando com ela lá na frente.

A gente ficou uns 20 anos casados mais ou menos quando rolou o Bernardo, que é o meu moleque, vai fazer 25 anos agora em setembro. O meu filho mudou tudo pra mim, já de cara eu reduzi meu trabalho, falei: “Bom, agora eu vou cuidar do meu filho”, aí foi uma briga muito legal, porque ninguém aceita que você reduza ganhar dinheiro, não, vou reduzir, aperta mais, porque eu vou ver o meu filho crescer. Então eu que ia, três horas da manhã acordava pra ver se ele estava coberto, trocava fralda, eu que cuidava dele mesmo, eu era a mãe dele, isso determinado por mim, ela não contestou, era excelente mãe, excelente, mas eu me liguei a isso, mudou bastante a minha vida, bastante. Inclusive.

A gente descobriu na Folha Metropolitana que o diretor responsável estava roubando, e roubando muito, e ele era um cara que a gente conhecia bem, chamava Wanderley Simone Figueiredo, chama até hoje, deve ser vivo, ele era sobrinho do Paschoal Thomeu, que era o dono do jornal. Esse Paschoal Thomeu é uma pessoa muito rica na cidade, fez muito pela cidade, chegou a ter 34 empresas, que eu me lembre, é dono da empresa de ônibus, tal, tal, uma pessoa maravilhosa, eu gostava muito dele. Aí esse Wanderley queria que a gente entrasse nesse rolo. Como que você rouba num jornal? É fácil pra caramba, você tem um anúncio, o cara coloca um anúncio, custa cinco mil reais, aí ele sai hoje e você diz que saiu errado, que você tem que compensar na semana seguinte, só que você não compensa, o cara está pagando o segundo anúncio e o cinco mil reais você enfia no bolso.

Então isso, começou a fazer muito rolo, o problema do ser humano, quando ele cresce e não tem estrutura emocional, é que ele extrapola, aí ele acha que sempre mais, ele era sobrinho do dono, não precisava nada, ele era casado com a sobrinha, não precisava nada, era só ficar na dele que ele ia se dar bem. E começou a querer que a gente fizesse esses rolos com ele, os anúncios que a gente descarregava com o Estadão, por exemplo, na Folha de São Paulo, na Globo, onde a gente tivesse anúncio ele queria que descarregasse na agência dele, que ele tinha montado pra fazer rolo, e a gente não compactuou e nós fomos ao Paschoal e falamos pra ele. Claro que ele não ia acreditar, por que como é que vai acreditar? É a minha palavra contra a do marido da sobrinha, eu falei: “E por isso nós estamos montando um jornal, porque a gente não vai ficar nessa”, e nós saímos e montamos um jornal. Nossa, era mais sócio do que outra coisa. Saiu praticamente a equipe inteira, comercial, porque era uma equipe limpa, como eu te disse, e mais alguns da redação também, que não estavam satisfeitos, nós montamos o Jornal de Guarulhos, um jornal quinzenal que bombou na cidade, quinzenal, mas bombou. Ele era quinzenal e durou quatro anos praticamente.

Depois de um ano e meio, em Guarulhos mesmo, conheci minha segunda esposa, essa era baiana, a próxima acho que vai ser do Ceará, porque carioca, baiana, subindo. Só que o problema é que ela tinha 20 anos e eu 45, 25 anos de diferença, aí a gente ficou, foi ficando até o ano passado, a gente separou o ano passado.

Eu trabalhei junto do Espéria. O Clube Espéria tinha uma revista e eu fui pra desenvolver a revista pra eles. Eu sempre desenvolvo empresa, meu negócio é desenvolver empresa, e aí desenvolvi, cresceu bastante. Depois eu trabalhei com o Jornal Pool, que era de Guarulhos também, só de imobiliárias, isso eu estava com ela já, e aí foi indo. Depois trabalhei com internet, Fábio Martinelli, ele tinha um projeto maravilhoso, que era um Google, um guia, só que em Guarulhos, eu conheci ele em 2000, quando ele montou, depois, em 2002, acho, que eu fui trabalhar com ele, acho que foi isso, mais ou menos isso.

Quando eu morei em Atibaia, na chácara, foi um ano e meio, dois anos, com a Ângela, depois o meu pai morreu, em 99, aí o bicho pegou, porque a casa que eu moro é a casa que eu nasci, são três casas grandes, num lugar muito bom de Santana, na Vila Santana, e o meu pai morreu e a casa ia ficar sozinha, então alguém tinha que ir morar lá. Minha mãe já é falecida há mais tempo, já há bastante tempo, ela foi com 77 anos.

Eu trabalhava até janeiro com esse provedor de internet. Eu fazia diretoria comercial, gerência comercial, diretoria comercial, porque tinha que desenvolver isso, então pegava equipe, levava, trazia, eu assumo a empresa, eu cuido da empresa mais do que o dono, eu falo pra ele. Eu saí porque, infelizmente, o ser humano, como eu também falho, eles falham muito, você faz tudo isso e a pessoa não reconhece. Estou parado, porque eu saí dia 5 de janeiro, eu estou fazendo Administração de Empresas.

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